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Arquitetura da Paz no Século XXI: Entre a Utopia e a Realidade dos Conflitos Atuais

  • Foto do escritor: Fernando G. Montenegro
    Fernando G. Montenegro
  • há 1 dia
  • 4 min de leitura
Uma estrutura arquitetônica em ruínas (simbolizando o mundo em conflito) sendo reconstruída por quatro pilares de luz, cada um representando um dos "Quatro Pilares da Paz Sustentável" (Segurança, Desenvolvimento, Instituições, Reconciliação). A cena deve ter ao fundo elementos de tecnologia tática (como um drone sutil). As palavras-chave "PAZ", "SEGURANÇA" e "ARQUITETURA DA PAZ NO SÉCULO XXI" devem estar presentes na imagem.

A paz é muito mais do que a simples ausência de guerra. É um estado que exige uma construção ativa, manutenção constante e o estabelecimento de uma arquitetura complexa. Neste século XXI, enquanto a humanidade avança em tecnologias extraordinárias, nossa capacidade de construir uma paz duradoura parece cada vez mais frágil.

Os conflitos modernos, caracterizados pela sua natureza híbrida, pelo envolvimento de potências por procuração (proxy) e por um crescente desrespeito às normas globais, desafiam os próprios fundamentos sobre os quais a paz deve ser erguida. Para que uma sociedade devastada pela guerra possa se reerguer de forma sustentável, quatro dimensões interdependentes são cruciais. Se uma delas falhar, toda a estrutura corre o risco geopolítico de desmoronar:


Os Quatro Pilares da Paz Sustentável

  1. Segurança Sustentável: Vai além de um cessar-fogo. É fundamental garantir a segurança física da população, desarmar combatentes, neutralizar minas terrestres e estabelecer o monopólio estatal sobre o uso legítimo da força.

  2. Desenvolvimento Econômico e Social: A reconstrução de infraestruturas deve ser acompanhada pela criação de oportunidades, pelo combate à corrupção endêmica que floresce na guerra e pela restauração de um horizonte de esperança para cidadãos traumatizados. A Segurança Econômica das nações é vital para garantir que a fragilidade financeira não se torne, por si só, o próximo campo de batalha.

  3. Legitimidade Política e Institucional: A criação de instituições governamentais funcionais, transparentes e que possuam a confiança da população é vital. Eleições apressadas em sociedades fraturadas, sem uma base institucional sólida, frequentemente servem apenas para legitimar divisões e aprofundar crises.

  4. Reconciliação e Justiça: Talvez a dimensão mais difícil e demorada. Lidar com os traumas coletivos, reconhecer o sofrimento das vítimas, garantir a responsabilização por crimes de guerra e reconstruir a confiança entre comunidades inimigas são passos indispensáveis para quebrar o ciclo de violência.


O Direito Humanitário como Última Barreira

Recordo-me vividamente das lições do curso sobre o Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) que tive a oportunidade de fazer com a Cruz Vermelha Internacional. Ali, a ideia central transmitida não era a utopia de proibir a guerra, mas a necessidade pragmática de limitar a sua brutalidade.

O DICA, ou Direito Humanitário, existe para proteger civis e infraestruturas essenciais, estabelecer regras para a conduta das hostilidades e, no fundo, preservar um mínimo de humanidade no meio da barbárie. O desrespeito sistemático por estas regras, que testemunhamos hoje, é uma tática de guerra deliberada, destinada a tornar a reconciliação futura impossível.

No contexto moderno, a Inteligência Artificial (IA) e a Cibersegurança se tornaram elementos críticos que testam os limites do DICA, criando um novo campo de batalha onde a proteção civil e a transparência são ainda mais difíceis de garantir.


Desafios Contemporâneos à Arquitetura da Paz no Século XXI

Ucrânia vs. Rússia: A Geopolítica da Reconstrução

A invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia exemplifica a complexidade dos conflitos modernos. Um futuro processo de paz enfrentará desafios monumentais:

  • Segurança: A paz exigirá garantias de segurança robustas e credíveis para a Ucrânia, um desafio geopolítico que envolve diretamente a OTAN e a Rússia. Sem uma dissuasão eficaz contra futuras agressões, qualquer paz será precária.

  • Desenvolvimento e Investimento: A escala da destruição exigirá um esforço de reconstrução comparável ao Plano Marshall. Este processo será, inevitavelmente, um campo de batalha econômico, onde a questão sobre quem paga – e a possível utilização de ativos russos congelados – definirá precedentes no direito internacional.

  • Corrupção: A Rússia continua a empregar táticas de exaustão, utilizando a exposição da corrupção interna da Ucrânia como um vetor estratégico para tentar minar o apoio da população a Kiev e dificultar o progresso do país em direção à União Europeia.

  • Reconciliação: Este é o pilar mais comprometido. As atrocidades documentadas e a profunda hostilidade criada pela guerra de agressão tornam a reconciliação entre os povos ucraniano e russo uma perspetiva extremamente distante. A paz, quando alcançada, arrisca-se a ser uma "paz fria", mantida pelo equilíbrio de poder, não pela confiança.

Israel vs. Irã (e seus Proxies): O Conflito em Múltiplas Frentes

O confronto entre Israel, com o apoio dos EUA, e o eixo liderado pelo Irã (Hamas, Hezbollah, Houthis) representa um desafio diferente:

  • Escalada: Este conflito crônico escalou para uma guerra direta entre Irã e Israel em junho de 2025, culminando em um cessar-fogo após intensos ataques mútuos. Este evento histórico demonstrou a capacidade de ambos os lados de atingir diretamente o território do adversário, elevando permanentemente o nível de risco e aprofundando o trauma mútuo .

  • Segurança: A ausência de um campo de batalha definido transforma toda a região num tabuleiro de xadrez volátil. O ciclo de ataque e retaliação é constante e alimenta-se a si mesmo.

  • Instituições: Em locais como Gaza ou o Líbano, a estratégia de grupos como o Hamas e o Hezbollah de se entrelaçarem com a população civil leva a uma destruição cíclica de infraestruturas. Isso impede qualquer forma de desenvolvimento autônomo e corrói a soberania e a legitimidade das instituições estatais.

  • Reconciliação: O abismo parece intransponível. Cada novo surto de violência serve como justificação para as posições mais radicais, tornando o diálogo quase impossível e a paz uma miragem distante.


Conclusão: Navegando na Escassez de Vontade Política

A arquitetura teórica da paz é clara, mas a sua construção prática no século XXI é sabotada por uma realidade de competição feroz entre grandes potências e pela instrumentalização do caos. A comunidade internacional, outrora vista como mediadora, encontra-se frequentemente paralisada e marginalizada.

O respeito pelo Direito Internacional dos Conflitos Armados permanece como a última barreira contra a barbárie total e a única forma de preservar a possibilidade de um diálogo futuro. A tarefa de construir a paz não se limita mais a consertar "Estados falhados", mas sim a navegar um sistema global onde o próprio conflito se tornou uma ferramenta central da política externa.

Isto exige uma coragem política, uma visão de longo prazo e uma vontade diplomática que, perigosamente, parecem cada vez mais escassas no nosso tempo.


Fernando G. Montenegro

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