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Insurgência Criminal e Guerra Híbrida: O Desafio da LCP ao Estado em Rondônia

Fotografia hiper-realista que mostra uma cena de confronto numa área desmatada da Amazônia em Rondônia. Em primeiro plano, um homem com camisa social e uma pasta confronta outro, com roupas de trabalho, que segura uma motosserra. Ao fundo, num acampamento improvisado, há figuras armadas, tocos de árvores queimados e troncos derrubados, simbolizando a tensão entre disputas legais, crime ambiental e conflito armado.

A LCP em Rondônia: Conflito Agrário, Insurgência Criminal e Guerra Híbrida

A Liga dos Camponeses Pobres (LCP) é um ator rural que, em Rondônia, conjuga práticas de ocupação violenta de terra com métodos que remetem à guerra híbrida: ações armadas, contrução de narrativas, apropriação econômica ilegal de recursos e manobras jurídicas que dificultam a resposta do Estado. Esse arranjo não é apenas um conflito agrário; aproxima-se do que pesquisadores e analistas chamam de insurgência criminal — grupos que usam violência e controle territorial não só para lucrar, mas para desafiar e minar a autoridade estatal.


A Dimensão Econômica: Crime Ambiental e Financiamento Ilícito

Na prática, a LCP tem sido associada a invasões de áreas produtivas e também de reservas ambientais estaduais e federais, onde são denunciadas práticas de desmatamento ilegal e extração clandestina de madeira — atividades que financiam operações e alimentam cadeias de comércio ilícito. Estudos e reportagens apontam municípios de Rondônia como focos de exploração madeireira irregular e descrevem esquemas em que invasão, corte e escoamento da madeira aparecem integrados.


A Frente Paramilitar: Confronto Armado e o Desafio ao Estado

Além da dimensão ambiental e econômica, há um componente paramilitarizado: ocupações com guaritas, ações de intimidação, emboscadas e confronto com forças de segurança. Investigações e matérias jornalísticas relataram episódios graves de confronto entre policiais e membros ligados à LCP, inclusive com acusações de mortes e cercos policiais em acampamentos. Essas ocorrências demonstram que a disputa já ultrapassou a esfera do conflito social para se tornar confronto armado com repercussões locais significativas.


Lawfare e a Disputa Jurídica como Estratégia

A dimensão jurídica — o chamado lawfare — também é central nesse espectro híbrido. A atuação de advogados, de associações de defesa e de ações judiciais para suspender reintegrações de posse, questionar operações policiais e obter liminares compõe uma frente estratégica que visa proteger espaços ocupados e ganhar tempo político e midiático. Operações policiais já miraram pessoas que defendem a LCP em esfera jurídica, e episódios de busca e apreensão ligados a advogados defensores foram noticiados, mostrando a interação tensa entre atuação jurídica e repressão policial. Essa disputa no campo legal molda percepções e condiciona respostas estatais.  Há ainda um componente de financiamento ilícito: relatórios e investigações apontaram esquemas em que madeireiros, grileiros e outros agentes econômicos se beneficiam das ocupações — seja pela venda direta de madeira, seja por conluios que tornam economicamente vantajosos os processos de invasão e revenda de lotes. Esse fluxo econômico é o que possibilita manter estruturas de comando, logística e até pagar advogados e campanhas de comunicação.  Falar desse fenômeno exige humildade analítica — a distinção entre movimento social e organização criminal às vezes é disputada no campo da narrativa. Mas, como observação prática, quando um grupo combina controle territorial armado, exploração econômica ilegal, conflito contínuo com forças do Estado e uso estratégico do sistema jurídico para postergar ações, os elementos que o caracterizam como insurgência criminal aparecem com clareza.


Lições de Campo e a Evolução do Fenômeno

Sublinhe-se também o aspecto humano e do terreno: servi em Guajará-Mirim, no Comando de Fronteira de Rondônia / 6º Batalhão de Infantaria de Selva, em 2004–2005; minha especialidade em Forças Especiais e o estudo da guerra irregular me deram lentes técnicas para perceber, já naquela época, padrões de organização que evoluíram ao longo dos anos — infiltração, logística, uso de rotas clandestinas e a articulação entre violência física e outras frentes (econômica e jurídica). Essa vivência de campo reforça a leitura de que o fenômeno ultrapassa a mera disputa agrária.


Implicações para a Governança e a Resposta Integrada do Estado

As implicações para a segurança pública e a governança regional são óbvias: perda de controle territorial, destruição ambiental, enfraquecimento econômico local e judicialização das respostas do Estado.


Ações Coordenadas e Integradas

Para enfrentar isso são necessárias medidas integradas: inteligência territorial que conjugue dados fundiários, ambientais e criminais; operações policiais e judiciais coordenadas com respeito aos direitos humanos; atuação para cortar o financiamento ilícito (rastreio de madeira, bloqueio de bens); e políticas públicas de regularização fundiária que reduzam o espaço político e social para a apropriação dessas narrativas. Reconhecer as múltiplas frentes — militar, econômica, informacional e jurídica — é também assumir que respostas unilaterais (apenas força policial ou apenas ações judiciais) tendem a falhar. O fenômeno exige ação coordenada entre forças de segurança, ministério público, órgãos ambientais e sistemas judiciais, além de comunicação clara para a sociedade sobre fatos verificáveis.


Conclusão: A Crise como Manifestação de Guerra Híbrida

Em suma: a LCP em Rondônia, enquanto ator que combina ocupação, desmatamento ilegal, controle territorial, violência e uso estratégico do sistema jurídico, exemplifica como a guerra híbrida pode se manifestar internamente. Sem uma abordagem integrada, a tendência é que a crise se consolide — com prejuízos ambientais, sociais e para a autoridade democrática do Estado.


Fernando Montenegro

Qualquer Missão Em Qualquer Lugar

1 Comment

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Camila Tancredo
Aug 11
Rated 5 out of 5 stars.

Exelente análise, a própria justiça permite que acontecessa isso, essa organização criminosa já se tornou exepert em invasão usando o estado como cúmplice, invade--quando sai a reintegração de posse tem que montar uma operação pois se for apenas uma viatura local eles enfrentam, depois de cumprida a reintegração de posse o proprietário volta eles matam o proprietário, a notícia se espalhar ninguém quer ficar mais na sede da fazenda aí com a fazenda vazia as pessoas voltam a ocupar como se nada tivesse acontecido, e acoberta os criminosos com promessas de lotes de terras, por haver mortes o poder judiciário manda suspender uma nova reintegração de posse e manda o processo para o juiz da reforma agrária o processo lá…

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